quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O FACÃO

 



            Um estampido. O facão em pêndulo, rápido, frenético, a cortar luz e sombra. Corria tanto que já não sentia as botas apertadas, nem o chão sob os pés. Engolia vento, mato e chuva. A glote tensa, ofegante, puxava a língua para trás feito a fisga de um pescador, travando as mandíbulas como um arreio. Tinha receio de virar o rosto e ver. Não sabia bem se algo ou alguém, se deste ou de outro mundo. Valei-me, Deus! - pensava em gritos. Já doía o baço, e o pulmão se espremia e expandia como um fole em frenesi. Torceu o pé, guinchou, ganiu e soltou as pernas, sobre o barro e as folhagens. O facão? - perguntou-se. Passou a  mão pelo corpo rezando para não o encontrar fincado em si. Ouvira dizer que o "sangue quente" dissimulava a dor. Nada. Nem em si, nem próximo. Olhou para trás. Nada.

Tentou se levantar, mas não conseguiu. Uma forte dor no pé. A perna estava como que dormente. Esticou o corpo o quanto pôde, abriu a mão separando os dedos num ancinho e vasculhou o diâmetro possível num acelerado, noutra tentativa de encontrar a arma. Arrastou- se e encostou-se numa árvore. Retirou a bota do pé esquerdo. Sentiu certo alívio. Amarrou-a pela fivela ao cinto. Respirou por uns minutos. O pé latejando, a perna em torpor.

 

Começou a ouvir barulho de cortes de galhos na mata. Passou o punho direito pelo nariz, mordeu as costas da mão, cerrando-a. Aguçou os ouvidos. O barulho diminuía, ficava mais distante a cada lance desferido e se misturava, diluindo-se, ao dos passos molhados, que pareciam o pisar de um pé e o arrastar do outro. Silêncio. A chuva diminuía, mas estranhamente a água sob seus pés subia. Lenta e constante.

 

De repente, um som. Um farfalhar, e um zunido que terminou estanque: tum! A ponta do facão cravou o tronco duma vez, como um decidido "não!". Um breve susto, seguido de um alívio: quem quer que fosse, se quisesse, já o teria matado. Tão firme a lâmina penetrou na árvore que ele pôde se apoiar no cabo. Levantou-se e, tomado por uma coragem ancestral, gritou:

-   Em nome de Deus, quem és tu? O que queres de mim? Apareça ou Vade Retro! Se és alma, diz-me teu nome, encomendarei missas em tua intenção e serás liberto do teu tormento. Se és vivo, mostra-te, homem! Se és o Cão: Crux Sacra Sit Mihi Lux, Non Draco Siti Mihi Dux, Vade Retro, Satana... (a Cruz Sagrada seja minha Luz, não seja o Dragão o meu guia, retira-te Satanás...).

Nada se ouviu após a oração de exorcismo. Quase mais nada. Apenas o borbulhar da água - já pelos tornozelos - interrompia o silêncio soturno.

Retirou sua "Excalibur", cortou um galho que lhe serviu de apoio e arriscou andar. Mancava, doía. Como faria? Mata fechada, noite, chuva, perna e pé… Foi quando reparou o caminho aberto, uma picada recente. Lembrou-se, então, do som que escutara enquanto permaneceu encostado na árvore. Ele, quem quer que fosse, abrira um caminho na mata. Por um instante hesitou em seguir por ali. Persignou-se, beijou com devoção o Crucifixo pendurado em seu pescoço junto ao escapulário, lembrou-se do Salmo: Nam et sit ambulavero in valle umbrae mortis, non timebo mala, quoniam tu mecum es (Ainda que eu caminhe pelo vale da sombra da morte, nenhum mal eu temerei, pois estás junto a mim). Repetiu diversas vezes o Sub Tuum Presidium confugimus, sancta Dei Genitrix (À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus) cada vez mais forte e mais alto para que seu próprio coração ouvisse e de modo a afugentar quem quer que fosse. Seguiu pisando com um pé, arrastando o outro.

Chegou à cabeceira da Ponte Bela. A chuva já havia parado. No céu, uma enorme bola prateada. Expirou todo o ar dos pulmões dizendo num sopro emocionado o seu filial Deo gratias. Olhou para o facão: sangue e algo inscrito: INUN… Sangue! Franziu a testa como se forçasse um pensamento claro, como que não o quisesse deixar escapar. Soltou de imediato o facão. Sangue! Seria seu? Ter-se-ia cortado. Revistou-se ligeiro. Não era seu, concluiu também com pressa. Quem quer que fosse, havia-se ferido, ou pior, ferido alguém. Quem sabe, Quem quer que fosse teria até assassinado. E a arma, ora no chão reluzindo a lua, estivera há pouco em suas mãos! Pensou em voltar e ver o que havia pelo caminho. Talvez não tenha percebido alguém caído. O pé latejava como um tambor, ritmando a tensão. Tinha a leve impressão de que suas lembranças não eram suas...

Mas, se voltasse e encontrasse? Como poderia ajudá-lo? O mais sensato era procurar alguém em São João Marcos. Temia que não o acreditassem, entretanto, era o que devia ser feito. Era jovem, mas, enfim, tinha boa índole, haveriam de crer nele. Já o havia provado no caso do ostensório e dos candelabros da Igreja Matriz. Por conta de um erro gramatical de latim em uma falsa carta do Bispo, descobriu o padre fraudador.

Ele o havia surpreendido - não sem ir às vias de fato com o impostor de batina e seu afiado punhal - tentando fugir, às escuras, com os objetos sacros. O falso padre escapou a cavalo, mas os objetos ficaram para trás, a salvo. Os objetos e uns pontos dados em sua face, que lhe renderam uma cicatriz em forma de cruz. Dela não se orgulhava. Dizia que a única cruz da qual devíamos nos gloriar era a de Cristo. E somente ela. Rezava para que logo lhe crescesse a barba e pudesse encobri-la. Ficava constrangido quando a queriam tocar. Cicatriz por cicatriz, mais pungentes eram as dos escravos, pensava. Isto, não o fazia por piedade excessiva, mas por plena convicção de fé. Sabia dos seus pecados. E os conhecia tão bem, que somente Deus e a Virgem Santíssima sabiam mais do que ele.

Deu mais uns poucos passos, atravessou a ponte, levantou os olhos e não viu a cidade. Apenas duas pequenas luzes acesas e o som das águas. Não chovia. Sentiu uma fisgada no pé. Olhou para baixo, pegou o facão e constatou: o sangue era seu. Escorria pela canela e misturava-se à água que subia.

Quem seria Quem quer que fosse? Talvez o falso padre buscando vingança? Ou algum capataz de um “menos algum” Coroné metido a besta e a Barão por conta de seus artigos abolicionistas no jornal O Município? Não era má pessoa, de modo geral era benquisto. Mas não há quem passe por essa vida - se desejar ser fiel aos seus princípios - sem colecionar uma penca de desafetos. Não conseguia conciliar o "amai o próximo como a si mesmo" e o "estive preso, nu, faminto e doente" com a dor das senzalas.


Havia também Lívia. Dizia ele não trocar sua São João Marcos pela Corte ou por Paris, muito menos um simples olhar de Lívia pelos beijos de todas as princesas, rainhas e concubinas. Lívia. Lívia era um doce sonho. Os filhos dos Barões a cortejavam, o sol a cortejava pelas manhãs! Ele sabia da inveja e dos ciúmes que causava neles. Dizia que todos os pecados já estavam em potência em Adão, em Caim. Sabia que muitos desejavam que não existisse, que partisse, que sumisse, mas não cria que pudessem atentar contra sua vida. Não devia dar ouvidos e trela a esses pensamentos. Sabia que era assim: por não saber, imaginava, e a imaginação, dizia a Santa D'Ávila, era a "louca da casa". Ou era o falso padre, ou algum capataz dos Coronéis que o perseguia, concluiu.

Não era rico. O pouco dinheiro que juntava tinha dois destinos: casar-se com Lívia e comprar a liberdade de Simplício, seu amigo. Se não libertasse todos - seu grande sonho - pelo menos seu amigo. Simplício. José Simplício. Para ele, Sicio. Era como se seu irmão fosse. Aprendera com ele os cantos, a cultura e a amizade. Ensinou-o a ler e escrever. Até umas poucas lições de Latim e Francês. Bonjour, bonsoir e uma gargalhada logo desfazia os biquinhos. Ia, às vezes, à noite, às escondidas, visitar a senzala onde Sicio ficava. Pedia bênção, licença aos mais velhos, trazia vinho, azeite e vinagre para as feridas, uns poucos mantimentos, pão, e a broa que Ciana cozia.

Pe. Pietro D'Andrea, seu confessor, atendia - ainda que receoso dos fazendeiros - seus pedidos de suprimentos aos escravos. Talvez o pároco guardasse em seu coração a esperança de que Bernard retornasse ao Seminário. Mio Bambino, dizia, ajuntando o polegar aos demais dedos da mão. De mais a mais, Bernard sempre o lembrava, agradecendo: “São nossos pequenos, padre! São os pobrezinhos de Jesus!” Marthe, sua mãe, por sua vez, dizia: "Como come pão e broa este menino, valha-me Deus!", piscando o olho, matreira, para Ciana, sua ama de leite. Deus caritas est!

 

Caiu. Apoiara todo o peso do seu corpo no galho que lhe servia de muleta e este não resistiu. Sentiu vontade de rir de si mesmo, tamanha a falta de sorte. Sentiu fome e saudades da casa da mãe e do tempero de Ciana. A mesma Santa da "louca da casa" também afirmava: "Deus está entre as panelas!", referindo-se aos afazeres diários como via de santidade. Pensou na cozinha de sua casa, na mesa, no calor do fogão, nas panelas cheias de canjiquinha com fartos pedaços de carne, no doce de abóbora e no arroz-doce. Estava, de fato, faminto. Recordou-se também do personagem bíblico que trocou a bênção do pai por comida, um prato de lentilhas e, como não lembrar de Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto, dizendo: "Nem só de pão, mas de toda Palavra…" As águas subiam.

Pensava isto enquanto segurava o facão próximo aos olhos. Lembrou-se da inscrição que começara a ler quando viu pela primeira vez o sangue. INUN...DATIO. INUNDATIO+1907+EXPLODERE+1939. Leu girando o facão na contraluz, identificando as letras em baixo-relevo. A caligrafia não lhe era estranha, mesmo que gravada num metal.  Sabia o que significavam os termos. Referiam-se, certamente, a uma data e um acontecimento. 19 de julho, intuiu. Poderia ser 1907. Mas ainda estavam no final dos anos 1800. E 1939,então? Tinha tempo. Tinha? Pensou na morte e em Lívia. Pensou vê-la. Sorriu. Começava a delirar.

 

- Lívia, Lívia! Se eu morrer, prometa-me libertar Simplício. Não se deve negar nada a um moribundo, sabes! Sabes, também, que eu te amo e que levarei o meu amor por toda a eternidade! Chama-me Pe. Pietro. Listo, Ligeiro. Diz que traga a estola, o óleo e a Eucaristia!

 

Delirava livremente. A cidade escura começou a envolvê-lo. Sentiu frio como no dia em que fugiu de casa e pulou a janela do Teatro Tibiriçá. Ficou até o anoitecer. Sentiu medo e de lá saiu e foi esconder-se na Igreja do Rosário, aos pés da imagem da Santinha. Quando aprontava, corria para as barras da Mãe. Da Virgem Mãe. Delirava livremente.

Sentiu umas gotas no seu rosto. Voltava a chover? Estranhamente as águas começaram a baixar. Havia sal nas gotas. Abriu os olhos e sobre ele choravam desesperadas sua mãe, Ciana e Lívia. Fechou as pálpebras. Sicio gritava com ele: Não! Bernard! Meu irmão! Abriu novamente os olhos e viu Pe. Pietro chegando apressadamente.

Delirava novamente. In nomine Patris, et Filii...

Parecia ouvir uma das valsas que a Prazer das Morenas, sua banda favorita, tocava nas festas da cidade. Tentara o clarinete. Quisera aprender para tocar para Lívia. Não conseguia alcançar as notas mais agudas. Embocadura, dizia a ele o Maestro Jacy, não falas francês? Ele mesmo comporia uma canção. Uma valsa, pois “uma valsa torna os homens melhores!”, dizia com ares de filósofo. Já tinha os primeiros compassos. Assobiava-os repetidamente enquanto escrevia seus artigos para O Município. Abriu os olhos. Salve Regina, Mater Misericordiae (Salve Rainha, Mãe da Misericórdia)Bernard, voltaste!, gritava, chorando, Sicio.

Sicio, após longa procura, o havia encontrado na noite anterior, desacordado próximo ao Rio das Araras, baleado na perna, com um facão nas mãos, sinais de maus-tratos e desidratação. Sacou o facão de sua mão, fincou-o no tronco, levantou o amigo aos ombros, pegou novamente o facão e correu o quanto pôde abrindo afoitamente uma picada no matagal. Caiu e feriu o pé. Levantou-se, colocou os braços de Bernard sobre seu ombro e seguiu, um pé pisando, outro arrastando. Lembrou-se da história do Cirineu que Bernard lhe contara e redobrou as forças. Bernard delirava em latim - exorcismos e Salmos. Simplício deixou-o à cabeceira da Ponte Bela e, mancando, foi o mais veloz que pôde buscar ajuda na cidade. Já era tarde. Todas as luzes haviam-se apagado, exceto as da casa de Bernard e da Casa Paroquial. Duas pequenas luzes. Gritou até ferir a garganta, acordando o restante da cidade, da Imperial à Matriz.

Trouxeram-no no lombo de um jumentinho. Marthe e Ciana preparavam, entre preces, bacia e água quente. Chamaram Dr. Carolino às pressas. Logo a notícia correu pela cidade. Houve quem dissesse ter visto um desconhecido perguntando se o tal “menino que escrevia coisas no jornal” ainda estava vivo. Vivo, disseram. Montou no seu cavalo e ficou à certa distância da casa.

O médico, enfim, chegou. Olhou o ferimento. Levantou as pálpebras de Bernard. Aferiu sua pulsação. Meneou a cabeça e abriu apressadamente sua maleta. Mandou Sicio aquecer o facão até que a ponta ficasse em brasa. Limpou a ferida e, depois de um tempo, retirou a bala. Jogou-a na bandeja como se dissesse: Alea jacta est (A sorte está lançada). Chamou Sicio.

Marthe e Ciana eram uma só mãe. A mesma espada transpassava os dois corações. Lívia molhava as mãos de Bernard com Ave-Marias. Um chiado, um enorme grito, uma fumaça, um cheiro estranho. Bernard contorceu seu corpo como se parisse a si mesmo. Havia perdido muito sangue e água. Não conseguia falar, ver, mover-se. Apenas ouvia um zumbido como aquela inatingível aguda nota do clarinete. Enfim conseguira.

Mio Bambino, mio bambino!, Pe. Pietro sussurrou no seu ouvido. Abriu os olhos, viu o sacerdote e, com muita dificuldade, palavra, pausa, palavra, balbuciou: “Meu Pai, pequei contra o Céu e contra Ti…” Sentiu o óleo escorrendo de sua fronte até o seu rosto. “É como óleo suave que desça à barba de Arão”, lembrou-se doutro Salmo. Quis sorrir… não teria barba para encobrir a cicatriz da cruz... Sentiu um suave gosto de pão em sua boca, um gosto de brancura. Viu a Luz. Ouviu uma voz feminina indescritivelmente bela que lhe disse: “Bernard, vem para Casa!” E lembrou-se dos fervorosos “nunc et in hora mortis nostrae. Amen.” (agora e na hora de nossa morte. Amém.). Ergueu-se e foi.

 

* * * * * * * * * * *

 

Chegamos! Depois de tanto esperar passar essa pandemia, podemos reavivar a memória e saborear a História! Gostaram da rima? Senhores Passageiros, bem-vindos ao fantástico e mágico Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos!, disse Antunes, o animado guia ao grupo de estudantes da Escola Municipalizada Lúcio de Mendonça, de Piraí, cidade vizinha.

-  Vai ter múmia? indagou Guilherme.

-  Não, múmia, não. Mas história, sim! E muita!, respondeu o Professor André.

-  A única múmia aqui é você, Guilherme!, gritou, arrancando gargalhadas, Fabrício.


Essas ruínas têm muito a nos contar, dizia o Professor. Dias de glória! Milhares, milhões de arrobas de café por ano! Teatros, óperas, artistas estrangeiros! Bandas de música! Fazendas, homens riquíssimos, barões! Mas, também, escravidão, escravos… E tudo isso iremos conhecer hoje. Vamos ao Centro de Memória?

 

-  Não corre, Guilherme! Espera o Professor!, alertou Fabrício.

-  Ai! Torci meu pé!

- O que houve, Guilherme? Já não falei para sempre me esperar… Machucou?, indagou o Professor.

-  Tropecei nessa pedra aí.

-  Deixa eu ver o pé. Dói?

-  Um pouco.

- Vamos lá no Quiosque pegar umas pedras de gelo. Vai passar, disse o Professor tranquilizando Guilherme.

-  Não é pedra, não!, gritou Fabrício. Parece o cabo de um...

- Não mexe, ok? Vamos falar com a Administração. Pode ser algo importante, disse o Professor.

 -   É. Parece um... facão, disse o Administrador. Bem antigo, por sinal. Esperem um pouco. Tem algo inscrito. Deixa eu limpar com cuidado a poeira - soprou passando levemente o indicador sobre a lâmina. Agora, sim: “Bernard e Lívia”...

 

 

Saulo Soares Monteiro de Carvalho

terça-feira, 20 de outubro de 2015

EMPARELHA

Resultado de imagem para paralelasO som do vento no mato,
Assemelha-se ao das águas no riacho,
E emparelha a infância que eu tive
À infância... em que me acho.

O mato na doce relutância de envergar-se,
A cabeça do afago a esquivar-se...

O som do vento no mato traz-me
O lento esvair do tempo no tempo que a alma conta.
Como se a vida estivesse pronta,
Sem arestas, sem pontas,
À espera do meu pensamento.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

SALA DE ESPERA

Amigo leitor, esta coluna pretende-se uma pequena pausa no veloz ritmo que rotineiramente nos é imposto; um sopro no quente copinho de café enquanto intui-se um pensamento bobo, qualquer, despretensioso.  Nem mais, nem menos.
            Dito isto, ocorreu-me a lembrança do que observei, dia desses, numa sala de espera. Como se sabe – salvo exceções – as salas de espera nos colocam em estranhas situações: pescoço levantado para ver a televisão que chuvisca; pescoço abaixado para ler as revistas em que chuviscam socialites em seu mundo diverso, Photoshópico. Um meio sorriso para a senhora do lado, um bocejar contido pelas mãos, um menear de cabeça a discordar da notícia que se leu e, assim passa – muito devagar e numa desconhecida dimensão – o tempo nas salas de espera.
            No sofá em frente, um senhor: óculos de lentes não muito espessas, armação sóbria e escura, bigode com fios grisalhos e desalinhados, pele curtida pelo sol, sandália tipo franciscano, gasta; calça social, camisa quadriculada com finas linhas na horizontal, um pouco mais grossas na vertical e em graduação de cores, com fundo branco; gola – uma em pé (como orelhinhas de cachorro) outra deitada – cabelos por cortar, penteados com creme e para trás, onde as ondas teimavam em não lhe obedecer. Suas mãos: calejadas, não se fechavam. Mãos sempre abertas, senhores!
            Mas ele - não lhe disse amigo leitor - tentava ler uma revista. Pois bem. Folhear uma por uma, as páginas, mas (que pena!)... não conseguia. Suas grossas digitais não lhe permitiam tal suavidade. A cada vez que ousava tentar, diversas folhas se passavam juntas, como os dias de sua vida, suponho... Pobre senhor (poderíamos deduzir)! Lia e relia, indefinidamente, a capa da revista. De fato, ele é quem tinha estórias a contar...
Senti pena, porém ele... sorria. Se vivo fosse, um grande amigo diria que ele “ria que nem manteiga”. Tinha uma sabedoria silenciosa, monástica e uma realeza que vai além do vão glamour. Rico senhor (diríamos, agora, sem sombra de dúvida!)! Parecia, ao olhar as revistas, sentenciar: “Há pessoas tão pobres, mas tão pobres, que só têm dinheiro...”

            A vida é um pouco assim, paciente leitor: dia após dia, trabalhando tanto e tanto mais, às golfadas o tempo vai engolindo as horas, engrossando nossas mãos, calejando-nos o coração. Mas isso é outra conversa...

(Publicado no Jornal CORREIO COMERCIAL da Associação Comercial e Empresarial de Barra do Piraí - Coluna "PAUSA PARA O CAFÉ").

HERÓIS ANÔNIMOS

Para Emanoel Xavier Bittencourt.

         Desorganizados, uni-vos! Não tão próximos, para que não pareça algo previamente organizado.
         Somos, senhores, a alegria do mundo! Heróis anônimos, sem rosto, sem reconhecimento público, sem medalhas, sem triênios ou quaisquer adicionais por tempo de serviço. Fazemos da vida uma eterna redescoberta daquilo que uma vez achamos e que perdemos logo em seguida. Ou vice-versa.  Somos os príncipes da surpresa! Surpreendemo-nos a nós mesmos! E lembramo-nos apenas de... esquecer.
         É; somos boas criaturas. Temos bom coração. Livres, independentes. Na verdade, esquecemos quase tudo: a ingratidão, os rancores, as mágoas e o dinheiro também.
         Nós, os desorganizados, somos românticos! Sim, cavaleiros de capa e espada. Sempre nos apaixonamos! Quase que semanalmente... Mas, por quem era mesmo? Bem, isso não vem ao caso... O destino (este sim, vilão miserável e arquiinimigo terrivelmente organizado) guarda-nos apenas a solidão e as marginais, periféricas e suburbanas avenidas.
         Mas não entristeçamos: temos olhos e ouvidos para as coisas simples e belas. Observamos atentamente o curso do Rio Piraí, o canto dos canários, o vôo das andorinhas, o acorde que magistralmente destoa do padrão e nos faz, prazerosamente, encolher os ombros. Assistimos aos gols do Flamengo como se nossos fossem e ao nasceres e pores-do-sol na Serra das Araras (como se fossem nossos). Somos felizes na alegria dos outros e, empáticos, lamentamos o pesar alheio como soldados da esperança feridos na própria carne.
         Sabemos que a bagunça do quarto, os discos empilhados, aquela carta por responder, extratos bancários, fichas telefônicas, livros emprestados, números de telefones, relógios sem bateria, apenas um pé de meia, reclames do chefe, recortes de jornais, cartelas vazias de aspirinas, elásticos arrebentados, clipes tortos e aquela caneta-fantasma que, há um minuto estava em cima do criado-mudo(!), de forma alguma nos desmerecem.
         Os mil compromissos assumidos e não cumpridos não revelam pouco caso, senhores, definitivamente... quase. É antes um desejo de nunca recusar nada a ninguém. Sim, tentamos ser agradáveis e disponíveis. Desagradável e impiedoso é o tempo, primo-irmão do destino! Tão certinho, como um chato com lupas, chega a nos causar pruridos! O tempo, as horas e os minutos não são caridosos. “Os dias são maus”, nos adverte a Santa Escritura, corroborando-nos.
         Aquele maço de cigarros vazio, que há três dias está embaixo da janela, merece profundo respeito. À insônia, em baganas a transbordar o cinzeiro, fez companhia... Somos, com efeito, baganas do que fomos; senhores, filtros impregnados de nós mesmos.
         Mas não nos abatamos! Forçados pela incompreensão e pela Receita Federal, às vezes esboçamos uma lágrima, embaça-se, dolorosamente, os olhos.  Porém, se acaso dela precisarem para regar uma flor: cá está!
         Sim, somos profundamente crédulos no impossível, no improvável, no gol aos 45, no amor aos 90 e no bilhete da Federal! Dizemos ter “estrela”, mas no fundo, acho que Deus gosta de nós...
         Assim, os desorganizados, desligados, esquecidos, atrasados e tantas outras fabulosas criaturas desprendidas e lunares pedem, humildemente, passagem neste mundo onde a tristeza e a indiferença encontram-se “agendadas” por muitos anos.

Piraí, 19 de agosto de 1991. 06 da manhã.

(Revisada em 19 de agosto de 2015).

sábado, 15 de agosto de 2015

FLERTE



Flerto de tão perto (e a esmo)
A loucura e a insanidade.
Que chego, de mim mesmo, sentir uma inexplicável saudade.

Se há amor, eu invento manhãs.
E, suspenso, do alto afugento os tortos cães do pensamento...
E me vou, e me vôo, e me vou.

Flerto de tão perto a demência,
Que mudo a aparência à minha alma dada.
E choro, e  rio, e oro por horas e horas a fio...
De espada.

Flerto de tão perto o absurdo
Que a tudo relativizo.
E diviso, em meu próprio rosto, a mortalha.
E cego, enxergo mudo. E, surdo, para meu desgosto,
No velho espelho da vida,
Pinto o reflexo (suicida) de um novo canalha.

sábado, 3 de janeiro de 2015

JUNHO EM PIRAÍ

     O povo passa e pisa, com desdém, indiferente, as flores caídas do ipê-amarelo. Pisam o celetista e o estatutário, o optante e o não-optante. A ARENA e o MDB. Todos pisam e nada exclamam em seu andar reticente! Triste, pobre primavera com suas flores gratuitas aos olhares ingratos...
    Ainda bem que chegou esta frente fria! Veio como um sopro de Deus nas geleiras trazido por anjinhos encapuzados!
     Agora sim, vestirei meu casaco e fingirei fumar neblina. Olharei as luzes com sua órbita distinta na névoa e as estrelas de azulinho brilharão com alegria. Terei bons sonhos e o café um gosto amigo.
    No esfregar das mãos, quando vier a boca oferecer um hálito quente, o esboço de um beijo se formará em nossas almas. Beijemos, pois, as mãos.
     As andorinhas empoleirar-se-ão (até a mesóclise aparece nestes tempos!) no fio do pára-raios da Matriz de Sant’Anna, feito um Rosário, um colar de pedras-vivas e, por serem vivas, muito mais preciosas. E ao se tomar un traguito, beber-se-ão também lembranças que nos embotarão os olhos como a manteiga de cacau os lábios.
    A Lua terá seu halo, sua majestade, sua lunar santidade. Agora vejo o cobertor e o chocolate quente, o cigarro com gosto de baunilha e as luvas cheirando a naftalina.
      O frio que sinto não é o frio do mundo... É o quente-frio das palavras de lã e das manhãs despercebidas.

ACCORDÉON

Ando com a sensação de que nunca mais encontrarei a canção que nesta primavera perdi. Cantarolei-a algumas poucas vezes. Bela e simples melodia. E depois... a esqueci! Não como esquecemos os amores marcantes, mas os flertes sem intenção.
            Procurei-a no meu violão, nos quase infinitos e repetitivos dedilhados. Nada. Decidi – que ousadia! – procurá-la no clarinete (eu, um aprendiz!), nas tardes que a noite engolia pelas janelas da Sede da Banda em Arrozal. Lá via a silhueta de uma palmeira entregar-se – relutante e atrevida, como que por dentro querendo e, por fora negando – às nuanças, ora negra, se a nota nos saísse amargurada, ora azul, se o sopro fosse justo e prazeroso.
            É devido dizer, a bem da verdade, que nada sei no clarinete, quase nada. Para mim assemelha-se a um peixe de treze escamas cor de prata e de fala macia. Responde ao nosso beijo recitando notas musicais, como ronronam os gatos às nossas carícias. Dele, apenas subo uma escala, onde o “si” é o patamar entre as verdades que dele aprenderei. Porém, se nada ou quase nada sei de clarinetes, de tardes eu entendo e, naquela, não estava escondida minha canção.
            Mas quem sou eu para lhes entristecer o dia? Acaso algum senhor casmurro que reclama da brisa que espalha as folhas no quintal? Não. Mas nem tudo está perdido: apenas uma canção. Entretanto, como dizia Santo Agostinho: “Nada estará perdido enquanto estivermos em busca.” Faz-se mister insistir, pois, na procura, ainda que como quem não quer achar, inadvertidamente, ao acaso, como às vezes se tropeça na felicidade.
            Subi assim, rotineiramente, aquela despretensiosa rua. Havia trocado duas espingardas com suas cartucheiras num accordéon, disse-me o senhor. Accordéon... accordéon... linda palavra, accordéon! Todos os versos e toda estória deveriam terminar em accordéon: por todo o sempre, accordéon! ... E se amaram e longamente se beijaram... accordéon! E, novamente se encontraram e fizeram as pazes... accordéon!
            Ah, se pudesse lhes dizer:  encontrei,  senhores,encontrei a tal canção perdida! Qual o quê... O verão já se aproxima a salgar-me o rosto e a secar-me a língua e minha canção perdeu-se na primavera. Espero as estações. Pois não se iludam, há sentimentos diversos para cada estação e é inútil procurar no inverno o que no outono se perdeu...

 Daí, então, mansamente, uma flor de melodia se abrirá, em tom menor, e como um fole se abre ao fôlego dos pulmões, nascerá a harmonia. E, então, senhores, escutarão, desde o mais próximo ao mais longínquo ser... por todo sempre, accordéon! 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

PLÁGIO

AmeriqueMeridionaleRigobertBonne.jpg

O mar é uma mentira, um plágio,                                          
Que me tira do sério e me leva... 
Ao naufrágio.

Um ágil pirata, espadachim a rasgar a vela,
A singrar em mim aquela bela rima...
Que mata.

O mar corsário, único e vário,
Vil e lúdico, pulha e pudico.

O mar mergulha fundo e raso,
No que sonho, no que vazo,
Quando vou ou quando fico.

O mar é uma mentira que há.
Quem tirará o mar de mim?

terça-feira, 21 de outubro de 2014

CORES

Há cores invisíveis. Que se dão aquém da retina.
Que se escondem atrás da cortina,
E não se deixam entrever.

Há cores nuas. Sensuais. Cores menos, cores mais.
Sem pudores, castas, vastas e banais.
Há cores de não se ver.

Há cores tantas, desconhecidas. Sem pretensão, esmaecidas, internas.
Que se apresentam sempre e quando, inerte, tu hibernas.

Há cores que a poesia conhece (e somente ela!). Há cores, ah!, há cores-sons.
A cor do verso e da rima que a palavra esgrima com o poeta,
Que amanhece e anoitece a inflar a vela dos pulmões. Há, sim, há cores-sons!

Há cores tantas e diversas,
Inversas à janela dos olhos, imersas no vento sem fim.
Há cores que existem no silêncio de quem se ouve e se vê por dentro,

Há cores que tento pintar em mim.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

ALMA PORTUGUESA


Há uma alma portuguesa por se revelar,
Uma guitarra no peito e um fadista na garganta.
Um gotejar de notas tristes que não se estanca,
Uma amarra prestes a desatar.

Há uma alma brasileira (também),
Que brada seu sonoro amém ao fim da oração.
Que se orgulha e que borbulha de mistura e miscigenação (tantas),
Um átimo que dura toda a vida, um amor da mais pura medida,
Uma Fátima e uma Aparecida (santas).

Há um não sei quê de tristeza que se quer por companhia,
Há uma noite que se quer dia, um dia que se quer noite,
Um açoite que se quer corpo, um corpo que se quer açoite.

Há uma alma portuguesa por se revelar,
E uma saudade que não sei se é saudade de mim (incerteza!)
Ou se vem do (salgado) mar.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

INSONE


Cães ladram, lobos uivam:
É noite na mente escura.
Nada escapa aos dentes dessa matilha,
Ao escalpo dessa faca,
Ao frio dessa paura.

Cães ladram, lobos uivam:
As ruas são sua ilha de inexata proporção.
O som das patas do relógio, o tempo, à unha, marca:
Ninguém se desvencilha desse necrológio (como se supunha),
E a morte os sonhos em naufrágios abarca.

Cães ladram, lobos uivam:
O medo paga o óbolo ao silêncio.
A cada passo (será que ouço?) que sussurra no lóbulo pênsil a madrugada,
Do fundo do poço urra um vento inerte uma triste gargalhada.

Cães ladram, lobos uivam:
Mas, eis que vejo a luz do dia que amanhece!
Um pavio aceso num rosário, um sol de preces a afugentar os cães!
Ó, vãs noites! Ó, incerto itinerário que oferecem as sangrentas noites vãs!


sábado, 16 de agosto de 2014

OUTRAS HORAS

São outras as horas que percorro,
Como outras são as mortes das quais morro diariamente.
São vários os tempos e as distâncias,
Os vértices e as vertentes,
Vou da velhice à infância,
Do saber a ignorância,
Num breve momento em que sou ausente.

Vou. E não volto,
Como as águas às nascentes o fazem,
O Piraí me leva e em mim planta
O deserto, a sede e a miragem.

Vou. E não volto,
O Piraí me leva entre garças, capivaras e tucunarés.
Vou. E não volto,
Pois já não sou eu mais quem canta:
Quem canta és tu! Mas quem tu és?

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

NAU

Já é tarde: escuto essa voz...
Tarde para o que sonhaste tanto:
Preparaste demais...

Tarde para ir ou voltar,
Já não há mais tempo, já não há mais canto:
Preparaste demais...

Não há vento, nem velas a inflar,
Tintas ou telas, navios ou mar.
Ficaste no indeciso cais, ó Homem, ó Vida: Preparaste demais!

Foi-se a ousadia, o passo que não deste,
O traço que à caneta recusaste,  a voz que à garganta emudeceste!
Escolheste o medo, o lúgubre,
Sucumbiste ao dedo que em riste acusa:
Preparaste, demais e amiúde, ó triste alma difusa!

sábado, 3 de maio de 2014

HORDAS ANCESTRAIS

Vi nos meus lábios
O sorriso do meu pai.
No apinhado dos dentes – ai! –
As emoções cravadas no osso...

Ouvi do fosso da garganta
A voz das cordas vocais das hordas ancestrais a gritar:
“Vai! Levanta e canta! Porque nós – ah! –  já não somos mais!”

Vi, na barba falha,
A cega navalha da vida e da morte.
No torto corte que emoldura o rosto
O tempo a dizer: “Isto posto, lancemo-lo à sorte:
Rasgar ou tecer?”

Vi o que não vejo comumente,
O que à luz do dia não percebo.
Vi, tarde demais e claramente,
O que deveria ter visto cedo e urgentemente.


Saulo Soares

terça-feira, 29 de abril de 2014

ESCREVO

Escrevo porque me esqueço,
Pois a memória cobra um preço exorbitante: quanto mais passam os dias - obra ofegante! - Mais o que era perto se faz distante...

Escrevo porque me canso,
Pois não alcanço o tempo que passou. Escrevo porque vou...

Escrevo porque sou lento,
Porque leve o vento leva, porque chove, porque neva... cá dentro.

Escrevo porque me curvo, porque me turvo, porque não sei.
Escrevo porque hei, porque que um dia fui. Escrevo porque dilui...

Escrevo, pois me espera a morte e me chama à vida. Escrevo porque que é ferida...
Escrevo, pois quer queira ou não queira, um dia, na noite derradeira... não mais escreverei.




Saulo Soares

sábado, 7 de setembro de 2013

BAGAGEM

Trago na bagagem a miragem do que ainda verei.
Uns olhos sedentos de um colírio que, em tempos de delírio, inventei.
Trago o que sei e o que não sei... ainda.
 No bolso - o eu-moço -  e uma mensagem indecifrável (e linda).

Trago, num largo poço do peito, um laço e um nó desfeito,
O verde da Amador  e as andorinhas pousadas no fio.
Trago e os ofereço aos homens de toda a Terra,
Ao que acerta e ao que erra, as águas do meu rio.

Trago, de fato, a certeza de que em cada cidade
Habita um pouco de mim: (hei de encontrar-me inteiro!)
 Trago um não, um sim,
A beleza de um setembro e o calor de um janeiro.

Trago a crença de que o mundo é um só
E de que todos somos irmãos.
Trago o pão que, partido, une,
Que não pune por ser diferente,
Trago pão que se faz gente,
Trago gente que se faz pão.

Trago a mim e meu solitário caminho,
Trago o meu mundo para o mundo todo,
E o mundo todo pro diário do meu ninho.

Em Piraí ou noutro lado do planeta,
Entôo minha opereta, meu canto diverso, profundo, vago e verdadeiro:
O mundo é minha casa e minha casa é o mundo inteiro.




sexta-feira, 10 de agosto de 2012

PARA FERNANDO PESSOA

Odeio as odes quilométricas,
Patéticas em seu centro de dentro e de fora.
Com suas palavras ao encalço da mente,
Soam como o chato que não vai embora!

Odeio, frente e verso, as poesias imensas,
Seriam mais belas as folhas em branco,
Mais densas no solavanco que propõem,
Mais nobres na afronta que avertem!

Odeio o feio e frio fino fio das rimas
Forçadas de cima para baixo,
Poesia de estupro e estupor...

Odeio cavalgar o burro xucro das palavras
E supor Corcel imaginário, que as asas abre, Unicórnio.
Odeio a química poética de clorofórmio e zinabre!

VOLTA REDONDA, 09 DE NOVEMBRO

O uniforme da Companhia
Tem sangue e poeira.
Ainda me doem os cassetetes,
Os fuzis ainda apontam pra mim.

Ainda te amo no espaço e no tempo,

Com o calor da aciaria e o aço da mão que espalma.
Ainda te vejo com olhos de siderurgia,
No eterno noite-dia,
E no sem-fim da minha alma.

Ainda te amo com Ordem e Progresso,

Com a desordem dos meus versos e a melodia do meu canto.

Quisera amar-te ainda vivo!

Meu coração grevista, morto, tanto chora, tanto..

 Mas, pronto! Eis a hora: que mal te fiz?


Tantas balas cabem em meu peito,

Quanto em meu coração os Brasis.